Jennifer Bailarina: o conto que Dickens não escreveu...
Havia pelo menos uns quatro natais que aquele casal deixara de ser “um casal”. Já haviam entrado naquela fase em que, devido à gradativa diminuição da libido, viviam como um par de irmãos. E como irmãos, que aturam durante anos uma convivência forçada, faziam questão de se odiar.
Foi nessas condições que adentraram a sessão de bonecas da Ria, a maior loja de brinquedos do sertão carioca.
- A Ana Beatriz quer a Jennifer Bailarina.
- Quem é Ana Beatriz? Quem é Jennifer? Quem ainda quer uma Bailarina?
Amélia franziu a sobrancelha. Fuzilou-o com o olhar, como era de costume todas às vezes em que Osvaldo tentava ser engraçadinho. Osvaldo entendeu a mensagem e tentou se emendar:
- É sério, quem é Ana Beatriz?
- A Bia, minha afilhada, filha do meu irmão. Aliás, sua afilhada também.
Amélia esperava por uma discussão maior, mas, para sua surpresa, Osvaldo cedeu de primeira. Estavam no Shopping fazia umas seis horas, escolhendo roupas, livros, CDs, bolas, cartões natalinos, incensos e tudo mais que o Papai Noel pudesse oferecer. O humor e os pés de Osvaldo estavam fracos, debilitados demais para entrar em atrito por causa de uma boneca.
- Tudo bem, querida, procure a Jennifer Bailarina, mas, por favor, prometa que depois dela iremos embora!
- Claro, só falta ela.
- Sim...
“O último presente”, pensou Osvaldo. Como se já não houvesse ouvido isso há uma hora e meia, por quanta da escolha do vestido da sua sogra. Mesmo assim, a fugidia esperança de que aquele fosse o último presente soava como um mantra aos seus ouvidos, até ser interrompido por Amélia.
- Aqui, achei! O armário da Jennifer Bailarina!
Osvaldo se aproximou de um colapso cardíaco ao perceber o quanto custava a tão desejada boneca.
- Isso é um absurdo! Porra, nunca se pagou tanto assim por uma boneca!
- Ai, ela é linda! Olha esse casaquinho, que fofo!
- Claro que é! Por esse preço! Peça desculpa a Bianca, mas, por esse preço, ela terá que esperar...
- É Beatriz...
- Que seja. Olha aqui, cozinha da Jennifer Bailarina pela metade do preço. Leva essa.
- Mas Osvaldo, para que uma criança vai querer a cozinha de uma boneca bailarina? Por isso é mais barato!
- Para que uma criança vai querer um armário, se a graça das bailarinas está na roupa? Por acaso essa boneca sabe dar uma pirueta?
Amélia agora esbravejava.
- Você é horrível Osvaldo! Você é um monstro!
- Não sou monstro, só não vou pagar 350 cruzeiros por uma boneca de 70 cm! Não pagaria isso nem se ela fosse uma criança geneticamente modificada.
- Você sabe que a Bia tem câncer, seu cretino!
- Câncer? Ainda mais essa! Pagar uma fortuna em um brinquedo idiota para uma criança que vai morrer!
Amélia desabou em prantos e correu para pegar um taxi.
Foi o último Natal daquele casal. Ainda antes das festas de fim de ano, desfizeram a união. Hoje faz dez anos desde aquele triste episódio.
Osvaldo vive sozinho, pouco sai; guarda parte do seu dinheiro não sei para o que e vê a vida passar a galopes pela fresta de sua janela.
Ana Beatriz morreu.
Amélia casou-se novamente e é feliz com seu novo marido e sua única filha, a pequena Jennifer.
Me emocionei com a história ,cara.
ResponderExcluirEssa Amélia que era mulher de verdade...
ResponderExcluirTOda mulher apaixonada gosta de dar o cu, já dizia o poeta. Entao, como n havia amor, tinha q terminar mermo. HAHAHA
ResponderExcluirFalando sério agora: demorou mas mandou uma bela pedrada. N para n porra.
A falta de sexo pode acabar findando um relacionamento. Achei um máximo Amélia ter se casado e ter sido feliz no casamento, também adorei o fato de ela ter colocado o nome da boneca na filha. Ele não quis gastar 350 cruzeiros, em troca teve uma vida tediosa e cheia de amarguras. Você é bom com as palavras...Pense bem!
ResponderExcluir(y) o nome da Loja Ria está excelente !!
ResponderExcluirBaila comigo.
ResponderExcluir