quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Barata!

Lembro, vagamente, de um romance da Clarisse que narra a história de uma mulher que, em um ataque de ascese, acabou por comer uma barata. Não tenho maiores lembranças sobre a obra, mas nunca esqueci essa passagem e, vez ou outra, acabava por tentar imaginá-la, achando o cúmulo da sandice. Se aquele foi o momento de provação da personagem, como viria o meu? Dúvida que me importunava toda vez que via um animalzinho daqueles.


Pois bem. Eis que chegou o meu momento.

Estava no Bar da Dona Aninha quando a dona, como de costume, no auge da farra nos grita:

- Acabou a cerveja!

Ato contínuo, olho para a latinha em minha mesa, com alguma esperança de que, messianicamente, pudesse multiplicar o seu líquido interior, como fez nosso mestre com os vinhos lá em Caná.

Mas o fato é que eu não estava em Caná. Estava era no Cachambi e já me daria por satisfeito se não tivesse um espécime do mais repugnante dos animais circundando as extremidades daquela lata – naquele momento o objeto mais valioso do planeta.

Sim, uma barata acabara de perambular pela única latinha de cerveja ainda existente naquele fim de noite!

Rezei, como um bom cristão, para que aquela barata, que para não ser injusto com a mesma não tentarei mesurar o tamanho, não adentrasse o interior do objeto. Acho que fiz direitinho, já que ela passeou um pouquinho, mexeu as anteninhas para um lado e para o outro, e desceu para a mesa até encontrar o chão, balançando fagueiramente suas duzentas perninhas. Naquela hora até me pareceu bonitinha.

Pareceu-me bonitinha até que outro grito, dessa vez mais rude, ecoasse da cozinha:

- Acabou a cerveja. Vou fechar!

Pronto, foi o suficiente para voltar meu asco por aquele animal gosmento já que, naquela altura, o máximo que eu tinha de bebida se concentrava nos locais por onde a criança havia passeado.

Filha da puta, pensei. Ela nem bebe e vem pra cá estragar minha segunda-feira. Onde conseguir outra cerveja? Se eu soubesse teria deixado cair um salame no chão para espantá-la de lá!

Tarde demais. Teria que cometer o sacrifício.

Respirei fundo, prendi o ar e, ainda que de olhos fechados, senti lágrimas se formando e meus pêlos se arrepiarem ao dar a primeira golada. Foi o suficiente para que minha goela se enchesse de bílis, mas não o suficiente para esvaziar a latinha. Parti para a segunda golada, terceira, quarta, ininterruptamente, como as crianças de outrora faziam com Biotônico Fontoura. Até diria que ouvi minha mãe ordenando que eu bebesse tudo de uma vez.

E como acontecia nos tempos do Biotônico, não foi. O resultado foi uma enorme poça de vômito ao pé da mesa. Ao pé, sobre a mesa, sobre mim e, espero eu que, sobre aquela filha da puta de barata, alcoólatra, que me fez lembrar a Clarisse Lispector às três horas da manhã.

3 comentários:

  1. ahhhhh seu blog é show
    seu tópico ficou bem legal também
    muito bom msm, parabéns
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  2. Toda barata é alcoólatra. Se não fosse alcoólatra, não seria barata. A sobrevivente em meio a bombas e jardins

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